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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Ar do Marão

Homem rude, mas simples, moldado pelas forças agrestes da Natureza, face enrugada, de tanto sol e vento apanhar nas jornas de uma vida, era João, apenas João, já que na aldeia onde nascera, vivera e morrera, assim era conhecido, desde que largara os cueiros e começara, ainda pequeno, a acompanhar o pai e os irmãos na lida do campo.
Eram tempos difíceis, toda a força de trabalho era necessária para o sustento da família.
A meninice? Desconheceu-a! Desde cedo, aprendeu as agruras da vida e descobriu que crescera sem ser menino. Ser menino era um luxo. Ele, filho de camponeses, não soube o que era brincar. Os seus bonecos foram a enxada e o ancinho. Os seus tempos de lazer foram o lavrar a terra e guardar os animais do patrão no monte.
Não aprendeu a ler, não o levaram à escola. As letras e os números eram as plantas, as ervas, os animais, as veredas e caminhos percorridos pelos montes circundantes da terra que o vira nascer.
Cresceu com a Natureza: selvagem, livre, potente. Confundia-se com a paisagem serrana, que fora o seu mestre-escola.
Com o tempo, moldou-se homem: casou, formou família, envelheceu.
Apesar do aspecto rude e simples, era um homem verdadeiro, de espírito transparente e olhar cristalino. Com o decorrer da idade, por vezes, tornava-se matreiro e ladino, como quem revive as traquinices da meninice não sabida.
A sua vida, foram muitos capítulos de uma só história, em que o mais célebre de todos ocorreu, quando era caseiro de uma abastada família da capital, que fazia da aldeia o seu refúgio de férias.
Questionado, sobre a razão das galinhas darem muito poucos ovos, a partir do momento em que a família chegava à aldeia, João respondeu com um ar cândido: «Senhora, as galinhas não dão ovos por causa do ar do Marão»!
Mal sabia João, que a Senhora, matreira como ele, pela escola da vida, vira-o ir à capoeira, ainda o sol despertava em raios sonolentos, apanhar os ovos e levá-los consigo!
A Natureza chamou-o: regressou às urzes e giestas do campo, por entre as fragas e serranias.