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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Querer

Eu quisera ser o Sol escaldante de um dia de Verão, espalhar os seus raios dourados e tudo iluminar, mas fui apenas uma luz trémula e difusa, com medo de se apagar.
Eu quisera ser a imensidão do oceano, um turbilhão de água e espuma de sal e mar, mas fui apenas uma lágrima solta na melancolia do olhar.
Eu quisera ser fortaleza e baluarte, testemunhas de vitórias a alcançar, mas fui apenas prisioneira de um lugar a conquistar.
Eu quisera...
E na junção de tantos quereres, eu sou, apenas, um ser entre os demais.

sábado, 20 de novembro de 2010

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio

Civilização e cultura

Quando criei o "Desafioos" imaginei-o como uma versão moderna e actualizada do velhinho diário. Era o meu blog, o meu espaço virtual, muito pessoal, de encontro de mim própria, daí o seu carácter intimista em muitos dos textos publicados.
Há que saber acompanhar a evolução dos tempos e apropriarmo-nos, para nosso benefício, das consequências positivas que a mesma comporta. As novas tecnologias de informação abriram as portas do mundo ao mundo, em fracções de tempo nunca antes imaginadas, anulando, definitivamente, o isolamento e o desconhecimento.
Por esta razão, defendo que um blog poderá também servir como veículo transmissor de cultura.
Como dizia Almada Negreiros "Não há cultura sem civilização, nem civilização que perdure sem cultura."
E o nosso país tem um acervo cultural tão rico!
Divulguemo-lo!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os (in)amigos

Quando se ocupam determinados cargos de chefia, há que ter bom senso, clareza de espírito, argúcia, inteligência e, acima de tudo, ser-se um bom estratega. O desempenho das funções inerentes a um cargo e a responsabilidade a ele subjacente deverão ser modelares para a defesa dos interesses da empresa e ou instituição e para a confiança que é desejável transmitir-se ao exterior.
Este preâmbulo surge a propósito da intervenção do governador do Banco de Portugal, Doutor Carlos Costa, durante um almoço com empresários na Câmara de Comércio Luso-Espanhola, quando defendeu que os mercados financeiros internacionais têm razões para ter dúvidas em relação a Portugal, devido ao desempenho orçamental do país e aos elevados níveis do défice e da dívida pública do país.
O que se questiona não é a veracidade de tais palavras, mas antes a falta de sentido de oportunidade demonstrada por alguém que deveria pesar as consequências que determinadas afirmações e tomadas de posição podem provocar. Há contextos e contextos e há que saber distinguir a altura ideal para as palavras certas.
Dada a instabilidade económica de Portugal e a desconfiança dos mercados internacionais que em nós recai, parece-me que este discurso peca por ser inoportuno.
Só faltava mesmo acrescentar que não vale a pena investir no nosso país pois está falido, desacreditado e não oferece qualquer segurança e confiança económica.
Convenhamos, há que se ter bom senso e perceber que o peso das palavras e as consequências que elas provocam variam consoante os contextos políticos e económicos em que são proferidas.
Parece-me que esta afirmação, vinda do responsável máximo pela instituição que encima o sistema bancário português, deixa muito a desejar e denota uma certa dose de ingenuidade.
Com "amigos" assim, os de “Peniche” ou da “Onça” são meros aprendizes!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dignidade

Quando nos deparamos com a velhice, na sua forma mais cruel e desumana em termos de perda de dignidade, devido às alterações físicas e psicológicas a que o ser humano fica sujeito – algumas demasiado inumanas pelo grau de dependência e de inoperância que comportam – aprendemos melhor a relativizar as nossas vivências.
A alma fica pequenina, a tristeza invade-nos e uma sensação de impotência tolda-nos perante a visão de um ser humano desprovido das faculdades que lhe permitiram ser autónomo, consciente e dignificado.
Como agir, quando nada podemos alterar?
Carinhosamente, afagar uma mão que se estende na tentativa de suavizar o sofrimento final.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"A montanha pariu um rato"

Nos últimos anos a Escola Pública tem sido alvo de uma série de imposições, fruto de umas quantas teorias da educação, que mais não fizeram do que burocratizar e complicar o processo do ensino-aprendizagem e a vida nas escolas.
Todavia, porém, tal facto seria entendível e aceite se os resultados obtidos, demonstrassem a validade de tais medidas, o que não acontece.
A missão de ensinar tem vindo a diluir-se na burocratização/politização dos processos a ela subjacentes. Quando não há certezas nos actos, multiplicam-se os instrumentos de trabalho – grelhas, descritores, indicadores, entre outros - buscando neles a segurança não existente. Enfim, inventa-se uma panóplia de termos e materiais para concretizar a avaliação daquilo que, devido à referida burocratização, não se tem tempo para ensinar.
Definitivamente, por muito que o barroco da Educação nos obrigue, já não há paciência para tantos artificialismos e exageros.
Já é hora de se alterar o estilo existente!

domingo, 7 de novembro de 2010

Trilogia

Iniciada a madrugada, invade-me um torpor imenso, consequência de um dia bastante “moído”.
Mais uma vez rumei até à capital - o centro nevrálgico deste país - para demonstrar o meu descontentamento em relação à conjuntura política actual.
Neste momento, caros leitores, muitos de vós tereis esgaçado um sorriso compassivo. O vosso pensamento, inevitavelmente, direccionou-se e a pergunta surgiu: “E tu pensas que o governo vai deixar de tomar as medidas anunciadas só porque cerca de 100 mil pessoas resolveram invadir a capital para protestarem?”
Respondo. No contexto económico actual, o governo vai continuar a seguir a sua linha condutora de governação, as medidas anunciadas virão, outras se seguirão e não há manifestação ou greve que altere este cenário.
Consciente deste facto, continuo, no entanto, a defender que é e será sempre importante, como cidadã de um país democrata, ter a hipótese e concretizá-la de demonstrar, ao poder político, o grau de insatisfação que me assola e o quanto discordo da sua linha de acção.
Finalizando, um aparte: Ao longo do dia, apercebi-me de como a trilogia silêncio, atenção e observação permitem captar sentidos e informações que de outro modo escapariam.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ao meu país

Portugal! Será que na longevidade da tua história ainda conservas, com nitidez, a lembrança da tua origem?
Começaste por ser pequeno, tão pequeno como os sabres que te feriram na ânsia da conquista e na sede do poder.
Pelo sonho de um "bastardo" e a coragem de um povo cresceste como nação. Expandiste-te até onde o mar permitiu e a vontade dos homens anuiu. Percorreste os séculos por entre conturbações e calmarias, amadureceste!
Um dia, preconizaste os teus sonhos e compreendeste que eram maiores que o espaço que te limitava. Partiste à aventura, agigantaste-te perante o tenebroso desconhecido. Deste a conhecer ao Mundo, novos mundos.
Foste sangue e dor no imenso labor da massa anónima que edificou o teu esplendor.
Um passado com história notabiliza-te entre os demais.
Eis-te no presente. Foste "coisa" usada, abusada, explorada por gente infame que não soube honrar o teu nome, Portugal!
Choras, e as tuas lágrimas espelham o desânimo, o desalento e a tristeza de um povo.
És nação ferida nas profundezas do teu ser.
Que destino te reservam? Oh nação imortal!
Ergue-te, sacode o jugo, liberta-te dos fracos acobardados e, com altivez, glorifica, de novo, o teu nome, oh Portucale!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Olhares

Após uns dias de um tempo enfurecido, por entre pragas chuvosas e vendavais de vociferações, sucedeu-se-lhes uma manhã calma e serena, antevendo a paz e a tranquilidade próprias da bonança.
Envolto numa neblina, quase nevoeiro, o despontar do dia escondia, por entre a cortina matinal, um sol tímido, um pouco envergonhado pela ausência prolongada.
Acordei para este dia com uma vontade sublime de apreciar a beleza dos pormenores. A abundância da luminosidade permitiu-me distinguir diferentes aspectos da realidade, até então não saboreados.
O que mudara nesta manhã? O meu olhar? Não sei! Apenas sei que da simbiose dos meus dois olhares - emoção e razão -, despontava um novo dia rasgado por raios dourados, prenunciando a mudança.