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terça-feira, 30 de julho de 2013

Manifesto


O desvario que tomou conta da classe política portuguesa, principalmente dos políticos que governam este país, é assustador. Medidas avulsas - golpes profundos em sectores fulcrais da sociedade que num futuro próximo trarão consequências catastróficas para o desenvolvimento do país - com o único objectivo de cortar nas despesas, numa razia completa ao bom senso e ponderação.
Falta de respeito pelo trabalho de quem corre o risco de ficar sem ele porque os senhores, no alto da sua cátedra, tudo podem e tudo determinam: mesmo as mais insanas directrizes, fora de horas, ou melhor em cima da hora, em tempo de férias, para confundir, baralhar e cumprir na íntegra.
Exigem-nos rigor, competência no exercício da profissão, mas eles escusam-se ao que impõem aos outros.
Depois das turmas feitas, quase no momento de serem afixadas, o processo é revertido através de um Despacho da DGESTE que chumba as propostas apresentadas e obriga a uma reformulação do que fora feito.
A informação que foi dada de manhã sobre a saída das turmas remetia-a para a tarde. De tarde, quando passei por lá, fiquei a saber que deixara de haver data provável, pois voltara tudo à estaca zero porque a Direcção recebera ordens, no sentido de reduzir o número de turmas, ou seja aumentar o número de alunos por turma para cortar no número de docentes por escolas.
Tudo feito em cima do joelho, de um dia para o outro, com um fim-de-semana pelo meio.
Estes senhores perderam a noção da correcção e jogam com a vida das pessoas como se fossem marionetes de um qualquer teatro de rua!
Para eles, em forma de resposta, palavras anteriormente escritas que gritam a revolta e a repulsa que as suas acções nos incutem: a parte final daquele que é o manifesto dos manifestos literários, escrito pelo grande Almada Negreiros.

“Morra o Dantas, morra! PIM!
Portugal, que com todos estes senhores, conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degradados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável -  e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra o Dantas, morra! PIM!"

 Adenda: Dantas, neste contexto, simboliza toda a classe política que nos tem governado nos últimos anos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O ontem e o hoje


Ainda, no último texto, escrevi, aqui, sobre a zona em que resido: erigida no espaço de uma enorme quinta, situada na zona de campo que confinava com a cidade.
Alguns desses vestígios ainda se mantêm e podem-se encontrar apesar da urbanidade se ter estendido e dominado quase toda a área envolvente.
O casario antigo, quase despercebido por entre as construções que o circundam, testemunha a simplicidade da ancestralidade das suas raízes.
Aqui e ali, pequenas raridades, que perduraram no tempo e reagiram ao avanço do progresso, continuam a sobreviver na cidade grande: a mercearia, uma resistente ao poder das grandes superfícies comerciais que a rodeiam e que, com a crise que se instalou, tem vindo a ganhar cada vez mais clientela pelas facilidades de pagamento que possibilita – o caderno, onde se apontam as despesas que serão pagas no final do mês, voltou a ter significado; a tabacaria – papelaria onde se pode ir a pé, evitando as filas intermináveis e a dificuldade de estacionamento; as três associações recreativas e culturais (Areeiro, Casa Branca e Calhabé) – mais recreativas que culturais - pontos de encontro das gerações mais velhas, nos finais de tarde, à volta de um copo de tinto e de um baralho de cartas.
Outro dia, quando decidi recuperar uma bicicleta que se enchia de pó e teias de aranha num canto da garagem, encontrei, escondida num beco, passatempo do dono de uma daquelas quase tabernas com traços de cafés, uma oficina artesanal, especializada nestes veículos de duas rodas.
Aí, descobri algumas curiosidades sobre "pedaleiras" – fiquei a saber que a minha primeira bicicleta fora uma pasteleira – numa amena conversa de quem se especializou nesta área levado pela curiosidade, pelo gosto e pela paciência.
O procedimento foi simples. A confiança na palavra bastou – vestígios de um tempo passado em que a honra da palavra era prova mais que suficiente.
Passados dois dias, a minha bicicleta estava como nova e ainda recebi, gratuitamente, umas liçõezinhas sobre a nobre arte de pedalar em todo o selim.
Estreei-a ontem, nas minhas primeiras pedaladas deste Verão: voa como um alazão, num movimento suave, levando-me à plenitude da liberdade.

 

 

terça-feira, 23 de julho de 2013

O novo inquilino


O local onde se construiu a urbanização em que resido fora, outrora, uma enorme quinta nos arrabaldes da cidade.
Pertença de uma abastada e influente família da região sofreu, com o passar das gerações, uma desagregação do seu território.
Da quinta inicial sobrou, lá no topo, o solar antigo, hoje, habitado por um dos inúmeros descendentes que se enraizou.
Aos poucos, a quinta foi sendo vendida para construção. Entre vivendas amplas e arejadas, sobranceira ao núcleo que a viu nascer, surgiu a primeira urbanização, num espaço rodeado de uma frondosa vegetação e muita água que brotava das inúmeras fontes incrustadas no terreno.
A tocar a urbanidade, manteve a sua origem rural que se desvenda na simplicidade das relações que se estabelecem entre os residentes deste espaço. Como se a cidade acolhesse nos seus limites este último reduto de traça campesina.
Quando o silêncio impera e a noite se alteia, a vida, abrigada dos olhares rotineiros, sai do seu esconderijo, desventra-se da terra e apodera-se do seu domínio: coelhos e lebres, salteiam aqui e ali de orelhas em escuta ao mínimo ruído.
Há pouco vim lá de baixo. A noite erguia-se serena e pacata, iluminada por um luar prateado de Agosto temporão. O barulho ritmado da água da fonte que caía imperava no silêncio e fez-me recordar outra fonte, outro lugar, outro tempo.
Com a chegada do Verão, a urbanização acolheu um novo hóspede que se passou a fazer ouvir, marcando a sua presença.
Não sei determinar com rigor a altura precisa em que me apercebi da sua existência. Foi como se tivesse surgido do nada. De um momento para o outro, na sucessão das noites, aquele som impôs-se: croac, croac, croac, numa onomatopeia perfeita.
A rã-sapo - não sei distinguir – atraída pela frescura da água da piscina de uma das vivendas próximas, apropriou-se daquele jardim e, agora, todas as noites, enamora a madrugada, encantando-a com o seu cântico ritualizado e ancestral.

 

 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

E os alunos?


Reagindo aos resultados alcançados pelos alunos nos exames dos 6º e 9º anos, Nuno Crato afirmou que os mesmos indiciam dificuldades permanentes a Português e Matemática – uma realidade que há muito é sentida por quem está no terreno.
Face aos maus resultados, o Ministro da Educação declarou “obviamente que não estamos contentes com isso. Temos de fazer, todos, um esforço para melhorar. É um esforço que não é só nosso, é um esforço que é dos pais, dos professores, das escolas, estamos todos a trabalhar para que estes resultados melhorem”.
Tal como diz o senhor ministro, também eu concordo que é urgente e necessário um esforço conjunto para reverter a situação. (O que seria de esperar com tantos anos a insistir no eduquês? Só não via quem não queria!)
Na sua declaração à comunicação social, Nuno Crato nomeou de quem esperava esse esforço: ministério, pais, professores, escolas, todos, segundo afirma. Parece-me que o Senhor Ministro se esqueceu de nomear um dos elemento, talvez o mais importante neste processo de esforço e mudança: os alunos, como é óbvio!
De que vale o esforço dos pais, das escolas, dos professores, do próprio ministério, se os alunos não intervierem no processo e não realizarem, também eles, um esforço que passará, sem dúvida, por uma alteração de comportamento na sala de aula, um estudo regular, uma valorização social da escola e do estudo? De nada, afianço-vos!
A minha admiração maior não reside nos resultados, como já deu para entender, mas antes no esquecimento dos alunos no discurso do ministro!
É que fazer omeletes sem ovos, é impraticável, impensável e, sobretudo, impossível!

 

 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Lembranças


O calor abafado e quase irrespirável destes últimos dias transportou-me para um tempo, bem lá atrás, já tornado acervo das minhas memórias, que me fez relembrar Formilo. Sempre Formilo recordado com carinho e muita ternura e muita saudade.
A canícula abrasadora que preguiça a vontade, outrora e agora, faz apetecer o nada fazer, na procura de um abrigo fresco e revigorante que amenize a soalheira dos dias.
Nesse tempo, em que as férias eram passadas na pacatez aldeã, as tardes de Agosto, quando o calor apertava e a moleza despertava, eram passadas na penumbra fresca e saborosa do casarão beirão erguido num granítico baluarte.
Lá fora, apenas o cri cri das cigarras cortava o silêncio da vida que parecia suspensa, quase adormecida nas tardes preguiçosas e tranquilas que se estendiam sem tempo, sem pressa.
O casarão permanece lá, implantado no coração da aldeia, não esquecido, mas distante, perdido na beleza da paisagem serrania que embala os meus sonhos acordados.
Sempre Formilo: intocável, firme e altivo, guardião de inúmeras histórias de vida que se sucedem através de gerações.