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domingo, 19 de fevereiro de 2012

Era uma vez

Quieta, absorta nos pensamentos que a tomavam, Maria recuava ao passado e relembrava a monotonia daqueles dias sempre iguais em que a sua vida se tornara.
 De memória em memória, perdia-se no silêncio lato do tempo e revia-o, outra e outra vez como se fora a primeira: devagar, aproximava-se, num movimento cadenciado, equilibrando-se no medo da verdade do momento, na surpresa da aceitação. 
Finalmente, conheciam-se sem barreiras, sem obstáculos, surpreendentemente, viam-se, ouviam-se, sentiam-se, como se saídos de um conto irreal, meros personagens que a vida manietara e, que naquele dia, sem o saberem, reescreviam o mapa traçado na palma das suas mãos, mudando, para sempre, o percurso das suas existências.
Tudo começara com uma necessidade de quebrar o isolamento e o desamor a que o seu destino os conduzira.
Hoje, ela, mulher madura e maturada, reflectia na década de uma união, irremediavelmente, falhada, nos anos passados, lado a lado, para, no fim, apenas o silêncio os unir, num monólogo indecifrável, incompreendido, intraduzível que os levara, por fim, à separação das suas vidas, há muito anunciada.
Ele, cansado da vida sempre igual, tépida de amor, rotineira, enraizada na amizade fraternal que o prendia àquela, que muitos anos atrás pensara ser a paixão que o conduziria ao amor, ousara quebrar as amarras que o prendiam e impediam de voar mais alto, descobrir-se, reinventar-se, renovar-se.
Inicialmente, nada previra o rumo que a suas histórias de vida tomariam.
Ela e ele, meros desconhecidos, separados na distância, com percursos de vida tão distintos, não sabiam que a vida põe e dispõe, livremente, sem se importar ou perguntar o que se quer, ou o que se deseja aos seus protagonistas. 
Os dois buscavam o bem-querer, cada um na procura de alguém a quem amar, amar perdidamente, amar desmesuradamente, amar plenamente, num percurso ávido de dádiva, para então receberem.
Ambos, tragados pela monotonia da existência, quase descrendo da intensidade que a vida é sempre, prestes a desistirem do acreditar, desconheciam que, naquele dia, os seus destinos cruzar-se-iam para sempre e nada seria o mesmo.

(talvez continue)