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quinta-feira, 8 de março de 2012

Avó

A propósito da data que hoje se comemora, recordo alguém que foi, sem dúvida, uma grande mulher. Grande, no seu metro e meio de altura e trinta e quatro de pé. Como tantas vezes a ouvi dizer “ a mulher e a sardinha querem-se da pequenina” rematando com “chego a onde chegam as outras”. Sem dúvida que chegava, com a ajuda do seu banquinho de três degraus que, lesta, subia e descia, mesmo já com o avanço da idade.
Senhora do seu nariz, dona de uma vontade férrea, de uma força altaneira, pequenina e decidida, não deixava os seus créditos por mãos alheias.
A minha avó (ou será antes a lembrança que dela evoco?) parecia-me – naquela altura ainda não me apercebera das marcas deixadas pela passagem do tempo – não ter idade, ou melhor, parecia-me não envelhecer.
Ridiculamente, teimamos em aprisionar, no tempo, os entes que amamos como se, com isso, conseguíssemos impedir a passagem dos anos, a inevitabilidade da perda.
As suas memórias são imensas, mas há duas ou três que me assaltam de imediato e me fazem sorrir.
Monárquica por convicção, recusava-se a assistir à comemoração da Implantação da República. De férias, na aldeia, para onde partia, mal terminavam as nossas aulas, só regressava à capital no dia seis de Outubro.
Durante anos e anos, tantos como os que a idade lhe permitiu, repetia o mesmo ritual, num protesto velado e simbólico, defendendo, assim, as suas convicções.
Guardo, também, na memória, o desenho da sua caligrafia: arredondada, minuciosa, esculturalmente traçada, desenhada, qual obra de arte. A correspondência era, sempre, um momento solene, selado com o monograma no lacre derretido.
Tantas e doces recordações da minha avó e que são também minhas. Um acervo de vida que perdurará porque amar é lembrar, é recordar...
Um perfume que paira no ar,
Um gesto,
Um semblante,
Um olhar que jamais se esquecerá.
Amar, é não deixar morrer a lembrança que fica e que o tempo não consegue apagar.