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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Em jeito de brincadeira


Não tenho por norma postar, neste meu espaço, textos que não sejam da minha autoria.
No entanto, como a excepção confirma a regra, hoje, decidi colocar um texto pensado, trabalhado e concretizado por três jovens do 9º ano.
O texto resultou da proposta lançada pela professora de Português – imaginarem uma cena passada no presente, semelhante às estudadas no “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente, com duas personagens sobejamente conhecidas de todos.
 Partilho-o porque o manuscrito, para além de bem redigido, denota um sentido crítico, cheio de humor e sátira.
Ligeiramente extenso, não deixa de ser uma leitura deliciosa, sorridente e bem-disposta.

 “ (Chega o Dr. Relvas que, exibindo o seu diploma da Lusófona, se dirige, de imediato, à Barca do Inferno)
Diabo: Dr. Relvas, já por aqui?
Relvas: Pois, parece que sim…
Diabo: Foste rápido!
Relvas: Para onde se dirige esta barca?
Diabo: Entrai, entrai que a morada não é falsa!
Relvas: E que sabes tu disso?
Diabo: Não estejas com mais conversas que é este o teu destino.
(Enquanto as duas personagens discutem, surge, inesperadamente, um vulto com a face oculta, transportando, debaixo do braço um Magalhães).
Sócrates: Ó da barca!
Relvas: Ah, és tu, nem te estava a conhecer!
Diabo: Só faltava cá este…
Relvas: Ó meu fiel companheiro, chegaste rápido!
Sócrates: Vim de TGV já que o aeroporto de Beja foi encerrado.
Relvas: Sempre tiveste a mania das grandezas…
Diabo: Chega de conversa fiada, entrai!
Sócrates: No.
Diabo: Yes.
Sócrates: Bem me parecia que te conhecia de algum lado. Por acaso não nos teremos cruzado no exame de Inglês Técnico na Independente?
Diabo: Impossível, ao domingo descanso…
Relvas: Não lhe dês mais conversa, vamos mas é para o paraíso que já lá temos lugar marcado.
(As duas personagens dirigem-se para a Barca do Anjo).
Sócrates: Tu aí, deixai-nos entrar!
Anjo: E por que haveria eu de o fazer?
Sócrates: Somos homens de bem.
Anjo: E pensais tu que endividar o país é um ato de bem?
Sócrates: Eu sempre quis fazer de Portugal um país pobre, (engasgando-se) perdão, mais rico!
Anjo: Neste batel divinal não embarca tirania.
Relvas: Olhai para o que trazemos!
(Relvas e Sócrates exibem um Diploma e um Magalhães).
Anjo: Esses símbolos que trazeis, aqui, não vos servem de nada.
Relvas: Como sabes tu isso, se ainda nem o meu diploma viste?
Anjo: Não vale a pena. No Céu, não se dão equivalências.
Sócrates: Olha lá, Anjo, dá-me um freepass para entrar na tua barca.
Anjo: Não te chegou o Freeport? Ide embora que aqui não tendes lugar!
(Percebendo que não tinham outra opção, os dois dirigem-se para o Batel Infernal. Prestes a embarcarem…)
Sócrates: Ó Relvas, como é que entro melhor: assim, com o pé direito ou assim, com o pé esquerdo?





terça-feira, 27 de novembro de 2012

Subjectividade


Existem certas alturas do ano – lectivo, entenda-se - bastante críticas e condensadas: os finais de período, com os testes para corrigir e a preparação da reunião da direcção de turma para iniciar.
Nestes momentos específicos, o tempo parece variar na razão inversa do volume de trabalho.
Hoje, por entre a correcção de um e outro teste, ia imaginando, sonhando, divagando com uma época em que os professores teriam acesso a máquinas inteligentes que corrigiriam e cotariam, em fracções de segundos, os testes de uma turma inteira.
Ó que deliciosa imagem, acompanhada de um sorriso grato!…
Ainda a evocava e logo se desvaneceu, porque me lembrei das irritantes maquinetas instaladas nas portagens das auto-estradas que substituíram, dispensaram e lançaram para o desemprego mais uns quantos trabalhadores.
Com a necessidade do Estado cortar nas despesas, Vítor Gaspar, o nosso Ministro das Finanças, não desperdiçaria nem perderia a oportunidade de substituir uma parte da massa humana que forma o Ministério da Educação por inúmeras unidades de metal reluzente, cheias de chips, ligações e outras tantas invenções…
Ai que felicidade ter os testes para corrigir!

 

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Inacabado


Estava eu aqui tranquila, por entre papéis e computador, saltitando de página em página - qualquer coisa do género “aquecimento para o trabalho” – cheia de vontade de produzir e… perdi-me nos pensamentos.
Com eles, vagueei. Pormenorizei detalhes que me houveram escapado.
 Alcancei o sentido de palavras ditas, algumas sussurradas e tantas outras, apenas, silenciadas.
Escutei os ecos do passado, disfarçados de penetrantes subtilezas.
Percebi, nas lembranças que afloram em sorrisos ternos, a fragilidade de sermos.
Galguei o pensamento, interpretei acções, legendei gestos feitos e desfeitos do que fiz ou deixei por fazer.
Sempre que me perco nos pensamentos, agitam-se águas ora calmas ora tempestuosas que me conduzem, inevitavelmente, ao ancoradouro de onde parti: o presente.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Momentos


Hoje, talvez por causa do dia frio, cortado por um vento encharcado, lembrei-me de outros dias semelhantes, quando ainda andava na faculdade e, durante a semana, ficava em casa da minha avó em Lisboa.
Como era bom, nessa altura, quando saía das aulas, já noite escura, enregelada e molhada, saber que, à minha espera, teria a minha avó, com a sua imensa ternura e uns miminhos que só ela sabia dar, por isso de gosto único e inconfundível.
Sim, era uma doçura chegar a casa, de Inverno feito e, na penumbra do dia, eu e ela, aquecermo-nos com uma boa chávena de chá a fumegar e deliciarmo-nos com umas apetitosas torradas a escorrerem manteiga que preparara para nós.
A sua presença transmitia-me uma segurança, uma tranquilidade, um conforto que só mais tarde percebi, quando o efeito da dormência da sua ausência, aos poucos, foi desaparecendo.
Era bom enroscar-me no carinho e nos mimos da minha avó.
Foi bom esse tempo repleto de amor, compreensão e muita abnegação.  
Sim, hoje, este dia cinzento, varrido pela chuva ininterrupta e enfriado pelo vento que se soltou das vertentes da serra e desceu até à cidade, trouxe-me a sua memória.
Lembrando esses tempos, eternizados porque repetidos, enrosquei-me nos meus filhos, partilhei momentos nossos: o chá foi substituído pelo leite, mas as torradas quentinhas a escorrerem manteiga e o sabor genuíno do momento perduraram.
Um dia, também eles repetirão, com quem ainda não é, histórias, vivências, gestos, afectos, quereres e sentires.
Um dia, também eles se enroscarão em quem sendo, ainda não é, e lembrar-se-ão destes momentos, imortalizando-os.
É a vida a acontecer!




quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fim de noite


Mais uma noite que desponta: serena, tranquila, pacífica.
Finalmente, abraço aquele momento do dia que é só meu. Saboreio-o sem pressa, prolongando a sensação de bem-estar que busco nele.
Sempre fui uma noctívaga.
Agora que o dia adormece e me obriga a deitar com ele, é que eu irrompia pela madrugada adentro, inspirando-me na companhia da música, da escrita e dos meus pensamentos.
Deixem-me estar! Não me perturbem! Preciso deste bocadinho de tempo para reflectir, repensar a caminhada do dia que finda e preparar o percurso que se inicia em cada nova alvorada.
Neste momento só meu, cabem todos os sentimentos, todas as lembranças, todos os projectos, alguns, eternamente, projectos e, essencialmente, a voz da razão, maturada pela experiência de vida. É ela que me faz perceber quão ténue ou distante pode ser a fronteira que separa o querer do poder.
Que venha então a noite, que desça sobre mim, me cubra com o seu manto lúcido e aconchegante e me envolva nos seus longos braços, sábios e conselheiros.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Bizarrices ou talvez não


Hoje, divagarei ao sabor de algumas notícias que retive ao longo do dia. Talvez pelas bizarrices que encerrassem me tenham soado mais forte e as recorde agora.
Logo de manhã, a Antena 1 proclamava, em tom crítico, que nem com Vercauteren o Sporting conseguia quebrar este tsunami de adversidade que parece inundar Alvalade e, por fim vencer um jogo. Nem uma semana como treinador o senhor ainda tem e já queriam milagres? É, no mínimo, surreal.
De seguida, alguém, ligado a uma associação relacionada com os sargentos das Forças Armadas, mostrava a sua indignação pelo facto dos militares deixarem de ter isenção – eu diria antes descontos - nos transportes públicos.
Pergunto: mas por que razão sempre o tiveram? Não são cidadãos como todos os outros?
Portugal é um país estruturalmente débil para tantas mordomias e benesses incompreensíveis.
Entretanto, de madrugada, enquanto dormirmos, os americanos decidem sobre o destino da sua nação com a eleição do Presidente.
O processo eleitoral no “Novo Mundo” diverge do utilizado no nosso país. É caso para dizer “Complicados estes americanos! “
Com o colégio eleitoral ou com o voto directo, os meus sonhos, antevêem uma vitória – suada, renhida - do candidato Obama, ainda mais, agora que o nosso CR7 lhe manifestou, publicamente, o seu apoio!
De divagação em divagação, consigo imaginar o ar estupefacto com que terão ficado os larápios que roubaram uma carrinha funerária com “brinde” dentro.
E que reflectir do sentido fraterno do pároco de Travanca ao dispensar um catequista por este tossir muito?
Meras notícias de um dia normalíssimo em pleno século XXI.