Hoje, talvez por
causa do dia frio, cortado por um vento encharcado, lembrei-me de outros dias
semelhantes, quando ainda andava na faculdade e, durante a semana, ficava em
casa da minha avó em Lisboa.
Como era bom, nessa
altura, quando saía das aulas, já noite escura, enregelada e molhada, saber que,
à minha espera, teria a minha avó, com a sua imensa ternura e uns miminhos que
só ela sabia dar, por isso de gosto único e inconfundível. Sim, era uma doçura chegar a casa, de Inverno feito e, na penumbra do dia, eu e ela, aquecermo-nos com uma boa chávena de chá a fumegar e deliciarmo-nos com umas apetitosas torradas a escorrerem manteiga que preparara para nós.
A sua presença transmitia-me uma segurança, uma tranquilidade, um conforto que só mais tarde percebi, quando o efeito da dormência da sua ausência, aos poucos, foi desaparecendo.
Era bom enroscar-me no carinho e nos mimos da minha avó.
Foi bom esse tempo repleto de amor, compreensão e muita abnegação.
Sim, hoje, este dia cinzento, varrido pela chuva ininterrupta e enfriado pelo vento que se soltou das vertentes da serra e desceu até à cidade, trouxe-me a sua memória.
Lembrando esses tempos, eternizados porque repetidos, enrosquei-me nos meus filhos, partilhei momentos nossos: o chá foi substituído pelo leite, mas as torradas quentinhas a escorrerem manteiga e o sabor genuíno do momento perduraram.
Um dia, também eles repetirão, com quem ainda não é, histórias, vivências, gestos, afectos, quereres e sentires.
Um dia, também eles se enroscarão em quem sendo, ainda não é, e lembrar-se-ão destes momentos, imortalizando-os.
É a vida a acontecer!