Translate

domingo, 22 de setembro de 2013

Enfoque


Lembro-me, há uns bons anos atrás, quando tinha cerca de doze anos, as entusiasmadas conversas que se estendiam pelos serões dentro, durante o tempo de férias, entre mim e os meus amigos, vizinhos da mesma idade, sobre um tema que nos prendia a atenção e seduzia: OVNIS.
Na altura, vivíamos perto de Sintra, numa zona de construção nova, repleta de vivendas, numa rua sem saída. Aquele foi o meu mundo durante muito tempo. Ali, construí amizades, cresci, aprendi e parti para a vida.
A planta da minha rua assemelhava-a a um pequeno lugarejo, onde todos se conheciam, se davam e entreajudavam. Solidariedade e controlo social, as duas faces da mesma realidade.
Principalmente, no Verão, depois de terminado o ano lectivo, os dias e as noites eram todos nossos: andar de bicicleta, ouvir música, jogar, conversar… As brincadeiras nunca se esgotavam e nós nunca nos cansávamos.
Entre o quintal e a rua – extensão natural do espaço exterior da casa de cada um – era um ir e vir constante que nos animava, divertia, ocupava e, frequentemente, exasperava as nossas mães.
Depois do jantar, enquanto os pais conviviam, em conversas de adultos que nada nos diziam, juntávamo-nos no nosso espaço, território comum a todos e conversávamos, influenciados pelos mistérios da noite, pelo silêncio da Natureza adormecida, pela beleza de um céu, ora escuro, incrustado de pontinhos cintilantes, parecendo pequenos diamantes reluzentes, ora iluminado por uma esplendorosa lua, cheia, magnífica e prateada que a todos inspirava.
Nesses momentos únicos, sob a negritude do céu, enquanto o olhar acompanhava as conversas, perscrutando o horizonte imenso e infinito, gastávamos as palavras, enredávamo-nos nas ideias, conspirávamos em sussurro e falávamos de OVNIS.
Cada um de nós acreditava na sua existência. Cada um de nós ansiava, numa íntima e secreta esperança, conseguir, um dia, vislumbrar um desses objectos e fazer parte do grupo de pessoas que afiançava tê-los avistado.
Nessas noites de convívio e depois, já a sós, recolhidos no quarto, debruçados na janela, enquanto o sono não vinha, entre pensamentos e sonhos de adolescentes, observávamos o firmamento, focávamos a atenção nas estrelas, nas constelações, perdíamo-nos na magnitude da criação que parecia mesmo conspirar contra nós, ao não partilhar o nosso entusiasmo.
Os anos passaram: crescemos, partimos, abraçámos a vida, seguimos rumos distintos e, naturalmente, os interesses mudaram. Os OVNIS tornaram-se parte de recordações de um tempo feliz, despreocupado e alegremente vivido.
Na madrugada de ontem, observando a plenitude de um céu em tons de escuro, enfeitado pelas luzes cintilantes das estrelas, vi, deslizando bem lá no alto, tão distantes como as estrelas imóveis, dois objectos de forma invulgar, quase despercebidos ao olhar, que se movimentavam, lado a lado, a uma velocidade que me pareceu enorme, dado o tempo que permaneceram no meu campo visual.
Fiquei ali, de olhar fixo no firmamento, acompanhando a direcção do movimento, surpreendida, extasiada, cheia de dúvidas, sem nenhuma certeza e avivando memórias daquele tempo passado.