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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Refúgio

Após um dia de trabalho intenso e desgastante, a procura de um momento de pausa, na busca da serenidade interior, regeneradora do todo, encaminhou-me para um local tranquilo, de beleza reconfortante, inspiradora do bem-estar que se pretendia.
Perdido, no rebuliço distraído da cidade, o sítio que, há muito, elegi como refúgio pessoal, aguardava-me, no anonimato da pressa agitada de fim de tarde.
Sentei-me e, de novo, inspirei a beleza natural que me rodeava. A calma e a serenidade, do ambiente, envolveram-me nos seus braços, segredando-me “ podes contar sempre connosco”.
O olhar diluiu-se na infinidade do horizonte, abstraí-me da vida que ressurgia bem perto de mim. Perdi a noção temporal do momento.
De repente, frases soltas, incompreensíveis, em vozes estranhas, acordaram-me da letargia em que imergira. Em meu redor, outras pessoas buscavam, naquele lugar, a mesma calma e tranquilidade que me levara ali.
Agora, de sentidos, já bem, despertos, deixei-me ficar, hipnotizada pelas conversas que se soltavam dos encontros de final de tarde.
Sem qualquer intuito intruso, apercebi-me de farrapos de frases que ecoavam até mim, provenientes de diferentes diálogos que se cruzavam no espaço e no tempo. Eram não frases: absurdas, sem sentido, descontextualizadas, chegadas, de todos os lados, em catadupas, invadindo a privacidade, na perda da mesma: “ ó amigo, eu vou na mesma às 4, mas se chegar às 5, já sabes. Ok amigo, até logo (…)”, soltava, em voz forte, um jovem, com ar de executivo bem vestido, pela exigência da profissão; “ pode não ter fome (…), está lá (…), isso ultrapassa a nossa intriga (…). Não diga isso que depois fico com fome (…)”, proferia, em voz de soprano, um homem, num tom matreiro, de desejo pressentido, insinuando-se para a companhia feminina da mesa.
Levantei-me, afastando-me dos diálogos que continuavam, em frases perdidas, entrecortadas, de conversas privadas, recuando a memória adormecida, aos tempos de faculdade, ao relembrar uma frase, personificação assumida da vaidade, muitas vezes escutada:
- “ Calem-se! Que eu gosto de me ouvir.”