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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Momentos


Desejava eu ter ficado no sossego aconchegante de casa, enroscada no sofá, a assistir à fúria da Natureza, à zanga entre o vento e a chuva!
Que discutissem entre si, que barafustassem e se desentendessem desde que não me incluíssem nas suas confusões. Eu queria, mas não passou de um mero desejo.
Logo de manhã, mal o sol acordou – tão envergonhado que nem se destapou, escondido debaixo do atapetado de nuvens que o cobriam –, a negritude do horizonte prometia um dilúvio que acabou por desabar, mesmo em cima de mim, já quase a chegar à estação.
Em situações destas, não há chapéus-de-chuva que impeçam quem quer que seja de se livrar de uma enorme molha, de uma fenomenal encharcadela, de ficar ensopado “até ao tutano”.
Já no comboio, a caminho da escola e torcendo para que o tempo se aguentasse até lá chegar, recordei uma outra ocasião em que a chuva, fustigada de vento e trovoada, era tão intensa, era tão indomável, era tão bravia, que me inundou por completo e fiquei a escorrer água por todos os lados, mais parecia a personificação das Cataratas do Niágara!
Entre o ontem e o hoje, momentos únicos!





 

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Equinócio


O equinócio passou completamente despercebido, disfarçado de Verão.
A tradição, se se cumprisse, obrigava a que a mudança de estação fosse acompanhada de temporal, ventos fortes e uivantes, marés vivas e muita chuva. Mas não! Usando um cliché, a tradição já não é o que era!
A poluição, principal responsável pelo não cumprimento da tal tradição- meteorológica - alterou por completo o estado do tempo que seria habitual nesta altura.
Já Sophia de Mello Breyner e Andersen, no seu livro “A Menina do Mar”, retrata, em termos literários e melhor do que ninguém, as alterações que a entrada no Outono costumava provocar em termos meteorológicos.
Desde pequena que me lembro do meu pai, nas amenas conversas, características dos jantares em família, nos falar da tipicidade que a posição da Terra, em relação ao Sol, neste período do ano, trazia e as consequências que ela provocava em termos de estados de tempo.
Este ano, com um ligeiro atraso relativamente ao que é habitual, o mau tempo, prelúdio do Inverno que aguarda, vai-se fazer sentir, em cores graduées, algures entre os alertas  amarelo, laranja e vermelho.
O ideal seria poder ficar em casa, enroscada no sofá, a observar as gotículas de água escorrerem pelas vidraças das janelas, ignorar os lamentos do vento, não valorizar as lágrimas da chuva e permanecer num sossego aconchegante, esquecendo o mau humor do tempo.
Seria… Se não tivesse de ir trabalhar!




 

domingo, 22 de setembro de 2013

Enfoque


Lembro-me, há uns bons anos atrás, quando tinha cerca de doze anos, as entusiasmadas conversas que se estendiam pelos serões dentro, durante o tempo de férias, entre mim e os meus amigos, vizinhos da mesma idade, sobre um tema que nos prendia a atenção e seduzia: OVNIS.
Na altura, vivíamos perto de Sintra, numa zona de construção nova, repleta de vivendas, numa rua sem saída. Aquele foi o meu mundo durante muito tempo. Ali, construí amizades, cresci, aprendi e parti para a vida.
A planta da minha rua assemelhava-a a um pequeno lugarejo, onde todos se conheciam, se davam e entreajudavam. Solidariedade e controlo social, as duas faces da mesma realidade.
Principalmente, no Verão, depois de terminado o ano lectivo, os dias e as noites eram todos nossos: andar de bicicleta, ouvir música, jogar, conversar… As brincadeiras nunca se esgotavam e nós nunca nos cansávamos.
Entre o quintal e a rua – extensão natural do espaço exterior da casa de cada um – era um ir e vir constante que nos animava, divertia, ocupava e, frequentemente, exasperava as nossas mães.
Depois do jantar, enquanto os pais conviviam, em conversas de adultos que nada nos diziam, juntávamo-nos no nosso espaço, território comum a todos e conversávamos, influenciados pelos mistérios da noite, pelo silêncio da Natureza adormecida, pela beleza de um céu, ora escuro, incrustado de pontinhos cintilantes, parecendo pequenos diamantes reluzentes, ora iluminado por uma esplendorosa lua, cheia, magnífica e prateada que a todos inspirava.
Nesses momentos únicos, sob a negritude do céu, enquanto o olhar acompanhava as conversas, perscrutando o horizonte imenso e infinito, gastávamos as palavras, enredávamo-nos nas ideias, conspirávamos em sussurro e falávamos de OVNIS.
Cada um de nós acreditava na sua existência. Cada um de nós ansiava, numa íntima e secreta esperança, conseguir, um dia, vislumbrar um desses objectos e fazer parte do grupo de pessoas que afiançava tê-los avistado.
Nessas noites de convívio e depois, já a sós, recolhidos no quarto, debruçados na janela, enquanto o sono não vinha, entre pensamentos e sonhos de adolescentes, observávamos o firmamento, focávamos a atenção nas estrelas, nas constelações, perdíamo-nos na magnitude da criação que parecia mesmo conspirar contra nós, ao não partilhar o nosso entusiasmo.
Os anos passaram: crescemos, partimos, abraçámos a vida, seguimos rumos distintos e, naturalmente, os interesses mudaram. Os OVNIS tornaram-se parte de recordações de um tempo feliz, despreocupado e alegremente vivido.
Na madrugada de ontem, observando a plenitude de um céu em tons de escuro, enfeitado pelas luzes cintilantes das estrelas, vi, deslizando bem lá no alto, tão distantes como as estrelas imóveis, dois objectos de forma invulgar, quase despercebidos ao olhar, que se movimentavam, lado a lado, a uma velocidade que me pareceu enorme, dado o tempo que permaneceram no meu campo visual.
Fiquei ali, de olhar fixo no firmamento, acompanhando a direcção do movimento, surpreendida, extasiada, cheia de dúvidas, sem nenhuma certeza e avivando memórias daquele tempo passado.


sábado, 21 de setembro de 2013

Sapiência


José Sócrates, após cerca de dois anos de intensa e dedicada entrega ao estudo, na cidade luz, terminou a sua tese de mestrado subordinada ao tema “Tortura nos Países Democráticos”.
O assunto da sua dissertação não foi mal escolhido. Afinal não foi ela (a tortura) uma constante da sua governação? Quanta tortura psicológica não infligiu com algumas das suas decisões políticas, consubstanciadas em forma de lei, cujos efeitos ainda, hoje, se fazem sentir? 
Por tudo isto não duvido da qualidade do trabalho e sua defesa.
Mas como José Sócrates é uma pessoa ambiciosa, não me admira nada que, num futuro próximo, não invista no doutoramento. Nesse caso sugiro-lhe o seguinte tema: “Como falir um país em três actos: ascensão, manutenção e declínio de um político”.
Doutorar-se-á com louvor e distinção!