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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

IF...

(No início de mais uma calma madrugada, lembrei-me deste poema que, de algum modo, há alguns anos atrás, constituiu um marco importante na afirmação do meu Eu consciente, político e ético.
Entrego-me à noite cálida e serena, embalada pela beleza sábia do "If" de Rudyard Kipling, recordando, com carinho, uma etapa do processo que me formou.)

Se...
Se podes conservar o teu bom senso e a calma,
Num mundo a delirar, pra quem o louco és tu,
Se podes crer em ti com toda a força d'alma,
Quando ninguém te crê; Se vais, faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário,
Se à torva intolerância, se à mera incompreensão,
Tu podes responder, subindo o teu calvário,
Com lágrimas de Amor e bençãos de Perdão;

Se podes dizer bem de quem te calunia,
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor,
Mas sem a afetação de um Santo que oficia,
Nem pretensões de Sábio a dar lições de amor;
Se podes esperar sem fatigar a Esperança,
Sonhar, mas conservar-te acima do teu Sonho,
Fazer do pensamento um Arco de Aliança,
Entre o clarão do Inferno e a luz do Sol risonho;

Se podes encarar com indiferença igual,
O Triunfo e a Derrota - eternos impostores;
Se podes ver o Bem oculto em todo o Mal,
E resignar, sorrindo, o Amor dos teus Amores;
Se podes resistir à raiva ou à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste;

Se és homem pra arriscar todos os teus haveres
Num lance corajoso, alheio ao resultado
E, calando em ti mesmo a mágoa de perderes,
Voltas a palmilhar todos o caminho andado;
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Banhadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizer palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo;

Se podes obrigar o coração e os músculos,
A renovar um esforço hà muito vacilante,
Quando já no teu corpo, afogado em crepúsculos,
Só existe a Vontade a comandar "Avante!";
Se vivendo entre os Pobres, és Virtuoso e Nobre
Ou vivendo entre os Reis, conservas a Humildade;
Se amigo ou inimigo, o Poderoso e o Pobre
São iguais para ti, à luz da Eternidade;

Se quem recorre a ti encontra ajuda pronta,
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa, em obra de tal monta
Que o minuto se espraie em séculos fecundos;
Então, ó Ser Sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os Reis, os Tempos, os Espaços,
Mas, 'inda para além, um novo sol rompeu
Abrindo um Infinito ao rumo dos teus passos;

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem recear jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te meu Filho, então... serás um HOMEM.

Rudyard Kipling,
versão portuguesa da autoria de Félix Bermudes