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quinta-feira, 18 de março de 2010

Renovação

Após o fim de uma manhã de trabalho e vislumbrada a possibilidade de usufruir de uma tarde mais calma, deixei-me enfeitiçar pela presença da Primavera que, sem pressa, anuncia a sua chegada.
De vidro aberto, a sensação da brisa suave a fustigar a face inebria os sentidos: com ela, despertam sensações que o inverno adormecera.
O ar é invadido pelo cheiro adocicado das flores a desabrochar.
A mornice preguiçosa da tarde, convida à moleza do corpo, num abandono consentido, antecipando o descanso merecido.
Os sons da Natureza intensificam-se: é o ciclo da vida que inicia o seu processo de renovação.
Com a chegada da Primavera, o ciclo fértil da Natureza recomeça. A vida desponta nas flores, nas árvores, nos animais, no Homem: é o Planeta a renascer.
A consciência da importância deste renascimento, na e pela Natureza, perdeu-se com a aculturação do Homem e o desenvolvimento das sociedades modernas.
O Homem Ocidental esqueceu-se das suas raízes à Terra.
Os rituais de fertilidade, praticados pelos Celtas em honra do deus Cernudos, faziam parte de uma cerimónia cíclica, no decorrer da qual, o sacerdote, representando o lado masculino e activo, entregava-se à sacerdotisa, que representava o lado feminino e passivo da Natureza.
Durante as cerimónias, os sumo-sacerdotes usavam máscaras ou coroas com chifres: símbolo da virilidade necessária à fertilidade.
Estas práticas, repugnadas e proibidas pelo Cristianismo, perderam-se, aos poucos, na memória colectiva dos povos que as praticavam.
A Igreja nunca soube entender a naturalidade e a sacralização que as envolvia.
Entendidas, erradamente, como actos promíscuos, pelo poder crescente de uma igreja que se afirmava, foram mal interpretadas.
A sua existência reverenciava a Deusa Mãe - a Natureza -, e o poder fertilizador, que dela brotava, necessário à perpetuação da vida.
Festejar a chegada da Primavera, é sentir o prazer estonteante do cheiro do verde e da terra, misturados na aragem morna das tardes amenas, é sentir um desejo incontrolável de abarcar, num enorme abraço, a paisagem deslumbrante, enfeitada de tons quentes, é sentir a emoção desperta por um pôr-do-sol alaranjado, de final de dia, que se conflui com o azul luminoso do início da noite.
Festejar a Primavera é abrir o corpo e a alma, soltar emoções, retornando, inconscientemente, às origens ancestrais do que fomos.