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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A viagem







Ó Nuvem, leva-me contigo nessa viagem incessante de andarilha do tempo.
Existes desde o princípio de tudo, completas um sentido, és parte de uma resposta.

Companheira de viagem, espera por mim, no caminho do horizonte que trilhas, desde os tempos imemoráveis do mundo.
Invade-me, com a serenidade do teu movimento, com a leveza dos teus passos e leva-me contigo até lugares longínquos, desconhecidos, nos confins do mundo.
Quero vaguear, inspirar a liberdade que alcanças lá no alto, deslizando, de mansinho, sob a cúpula do que avistas quando passas, sem pressa nem destino.
És senhora do infinito que se abre e se estende à tua passagem.
Sim, quero ir contigo, deambular pelo céu, não pertencer a lado algum para ser parte do universo.

Nuvem, despercebida e silenciosa que observas a vida a saltitar a teus pés, viajante do mundo, em constante movimento, leva-me contigo, nessa viagem solitária.
Quero ser nuvem, ter um corpo leve e voar, voar e passar, passar.
Assim, como o poeta, também eu quero ver Granada, quero ver o mar, mas não sei voar…
Leva-me contigo, ó nuvem!





 


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A César o que é de César


  Hoje sinto-me mais leve, uma vez que a reunião da minha direção de turma já se realizou. A preocupação maior já passou, mas não algumas obrigações profissionais que terei de cumprir nesta breve interrupção lectiva.
Daqui a pouco vou, finalmente, montar o Presépio!
Por isso, dei uma vista de olhos, mais demorada, pela caixa de correio electrónico e atentei num email que me foi enviado, mais concretamente num determinado parágrafo! Mas antes, uma breve contextualização da ideia a desenvolver.
Como sabem, realizou-se, hoje, a prova de acesso à profissão docente para todos os que se encontram em situação de contratados, independentemente do número de anos de serviço que possuam. É uma falácia quando o ministro afirma que estão dispensados os professores com cinco ou mais anos, uma vez que se o espírito fosse esse, tal directiva tinha efeito imediato e não obrigava a que fossem os candidatos a ter de pedir a isenção da realização da prova, como aliás aconteceu.
Há relativamente pouco tempo, anulei a minha sindicalização daquele que foi o meu sindicato desde o primeiro ano de aulas. Fi-lo por um conjunto de razões díspares, mas também porque me comecei a não rever em determinadas tomadas de posição e/ou intervenções dos seus representantes. Continuo, no entanto, a considerar que é a estrutura sindical que mais defende os interesses da classe profissional a que pertenço. Esclarecido este ponto, entro directamente no assunto.
A propósito da greve ao serviço de vigilância à prova de acesso à profissão, de modo a impedir a realização da mesma - se o ministério considera ser aquele o género de prova que testa a capacidade dos candidatos a professores, enfim… -, uma vez que não concorda com ela, o meu ex sindicato emitiu uma nota à comunicação social dando conta do balanço do dia.
No parágrafo em causa, pode ler-se: De registar, negativamente, apesar de em baixo número, os docentes que abdicaram de afirmar a sua solidariedade para com os seus colegas sujeitos à prova e de defender a dignidade da sua profissão. Ao fazê-lo, poderão ter prestado um bom serviço ao governo e um mau serviço a toda uma classe, pondo-se, declaradamente, ao lado de Nuno Crato contra os seus colegas e contra si próprios. E foram estas palavras que me impulsionaram para a escrita deste texto, uma vez não concordar com a tomada de posição de quem as escreveu e critico-as.
Para tal, eis os meus argumentos: cada qual é livre de ter a sua opinião e de agir de acordo com ela; o facto de alguns professores não terem aderido à greve, não significa que estejam de acordo com a prova; os motivos de cada um não têm de ser questionados, já que vivemos numa sociedade democrática, que pugna pela liberdade de pensamento e de posicionamento; o sindicato deve preocupar-se em defender os interesses dos seus associados, fazendo sindicalismo e não imiscuir-se nos meandros da política, como se fosse um partido da oposição; esquece-se que os que não aderiram também são professores e não é, de todo, da sua competência ajudar a dividir o que já não tem muita união; ao escrever aquelas palavras passa para a opinião pública uma má imagem, não ajudando, em nada, a classe!
Por esta situação e por outras similares é que me afastei, demarquei e tomei a decisão de “rasgar o cartão”.
Esclareço desde já que, se a minha escola tivesse sido seleccionada para a realização da tal prova, hoje, teria feito greve, o que não acontece há já muitos anos pois, sinceramente, não me ia sentir nada bem no papel de vigilante de pessoas que são meus colegas.
Para isso, não contem comigo!




segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A poesia





Praia da Tocha
foto de J.B.Aguiar Câmara


A poesia não vive apenas nas palavras!
Quando esta brota naturalmente, então os olhos captam a realidade de um outro prisma, despercebido à maioria das pessoas que abandonou o poeta que abriga em si.
A poesia repousa, também, na música que se compõe, na dança que se executa ou mesmo nos silêncios que se abraçam, porque poesia é criação, é amor, é entrega, é paixão ao que se quer, ao que se faz, com prazer, com devoção.
A poesia solta-se no ar e liberta-se do poeta, porque a poesia é de todos, é do mundo, é pertença de ninguém!
Levada pelo vento, percorre o infinito dos sentidos, desnuda os sonhos adormecidos da alma e torna possível o maior dos impossíveis, porque a poesia é querer, é poder, é a descoberta da verdade escondida na subtileza do ser-se.
Poesia é perder o olhar na imensidão do horizonte, é alcançar o inalcançável permanecendo, ali, entre o tudo e o nada, é esculpir, no sossego dos silêncios,  momentos procurados para, por fim, ser cantada ou apenas murmurada.
Poesia seremos tu e eu, seres de luz e de esperança,  nas manhãs cálidas de Outono, na paz que nos entrelaça e serena, no eco perdido dos risos, nas lágrimas salgadas dos sonhos incertos!
A poesia é a essência do Criador no seu mais belo poema de amor: o da Criação!




 
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Transparência


Estava eu muito quieta e sossegadinha, preparando a reunião da minha direcção de turma, quando sou surpreendida pelo toque estridente do tlm. Do outro lado, alguém que há muito não ouvia e, confesso, não esperava, de todo, ouvir.
Digamos que foi um Domingo surpreendente e veio demonstrar que nada na vida é definitivo e certo: existem palavras que deveriam ser proibidas de se colarem a determinadas intenções .
Tal como o título de um dos filmes do agente secreto mais conhecido do mundo, James Bond, “Never Say Never Again”!
A vida é muito mais sábia do que nós e, quando menos esperamos, demonstra-nos o quão ínfimos somos perante o universo a que pertencemos!
Inúmeros são os percursos que ainda temos que trilhar para compreendermos o que, sendo transparente como um cristal, dos mais puro e fino, distraidamente ou teimosamente não vemos, não percebemos ou não estamos, ainda, preparados para entender!
Tanto para aprender: cair, erguer, caminhar, na demanda que não termina nunca!





sábado, 14 de dezembro de 2013

Bailado perfeito


Hoje, a minha faneca (termo utilizado pelo pai que encerrava em si todo o carinho e amor que por ela sentia) participa, com o restante grupo da Secção de Patinagem Artística da Associação Académica de Coimbra, numa apresentação em três localidades diferentes, da Região Centro.
A crise que se vive por todo o país, há muito que chegou a esta Associação Académica.
No campo do desporto, as várias modalidades amadoras só sobrevivem graças ao empenho e boa vontade dos pais e encarregados de educação. São eles que suportam todos os encargos, entenda-se despesas, sem qualquer ajuda por parte do clube em que os filhos/educandos estão filiados, quando participam nas variadas provas em que defendem o nome da instituição desportiva a que pertencem.
A participação em cada apresentação implica muitas despesas: deslocação, por vezes a grandes distâncias, inscrição nas provas, alimentação, fato, adereços. Acreditem que não sai barato.
Ora, se os miúdos vão em representação do clube não seria natural esse mesmo clube contribuir, mesmo que simbolicamente, de algum modo?
Tudo se esquece e faz valer a pena quando iniciam as provas, patinando pelo recinto, numa leveza e numa beleza que enchem de orgulho qualquer pai.
Quando as vejo deslizar sobre os patins, recriando, em cada movimento, interpretações muito próprias, recordo-me sempre dos cisnes e dos pavões com a dança das suas plumagens, num bailado perfeito de cores, formas e movimentos exuberantes.
(E agora tenho de me retirar, pois vou vê-las actuar daqui a pouco).

 





sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sopa de coentros ou um cheirinho a Alentejo


A sugestão, de hoje, do Chefe Tiger, no Expresso, baseia-se numa açorda de mar, de fácil, barata e rápida confecção e deliciosa – acrescento eu -, um pitéu para os sentidos.
Enquanto lia a receita, apresentada sobre belíssimas imagens e acompanhada de uma música de fundo que nos transporta para as profundezas do mar, para a tranquilidade do espírito, verifiquei que esta açorda do mar é parecidíssima com a sopa de coentros que costumo cozinhar, muitas vezes, durante o Verão. Por isso mesmo, sem nunca ter provado esta açorda, aqui, apresentada, posso garantir que é uma delícia. Como alguém dizia” que admiração, com ingredientes tão saborosos e tão bons, difícil era não o ser". 
A minha sopa de coentros também é rápida de fazer, simples, barata, saborosa e muito mais económica!
Para quem quiser experimentar deixo a receita:

Ingredientes:
Vários dentes de alho, um bom molho de coentros – de preferência biológicos -, sal, azeite, água, broa e ovos.   

Confecção:
Parte-se o pão em nacos. Descascam-se os dentes de alho. Lavam-se os coentros, separam-se as folhas do caule e coloca-se tudo num almofariz com um punhado de sal. Tritura-se tudo até se obter uma pasta sumarenta e uniforme.
Ferve-se uma boa quantidade de água (o equivalente a três, quatro conchas grandes por pessoa) à qual se adiciona a mistura acima obtida, os nacos de broa e um fio de azeite. Servem-se os pratos e põe-se os ovos escalfados em cima.
Depois, é saber apreciar os diferentes sabores e deixar-se inebriar pelos variados aromas a lembrarem o Alentejo.





 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mais um Natal


Hoje, poderia escrever sobre muitos assuntos que fizeram notícia, tal foi a abundância de acontecimentos, aqui e por esse mundo fora. Podia, mas preferi cinzelar este fim de dia em palavras banais que me distraem do trabalho.
Há pouco, eu e a minha faneca acabámos de montar a árvore de Natal: iluminada, repleta de enfeites, a lembrar a quadra que se aproxima.
Com o frio intenso que a todos enregela e que se estende pelo país, só falta mesmo um manto de neve, branca e fofa, para completar o Natal ideal, aquele que já vem da infância. A neve e uma aconchegante lareira para pendurar as meias, prontas a receberem os presentes que há já algum tempo se transformaram em chocolates docinhos e saborosos.
Agora, para que a tradição se cumpra, só falta construir o presépio. As peças já desceram da arrecadação e aguardam o seu momento para se mostrarem. Talvez hoje ou amanhã…
Mais um Natal!





domingo, 8 de dezembro de 2013

O V(erde) da Vitória


Hoje joga o meu Sporting. É uma oportunidade única que há muito não alcançamos: o de podermos ascender ao primeiro lugar- ISOLADOS- na tabela classificativa da Liga Zon Sagres.
Para os adeptos dos outros dois grandes, provavelmente, se a situação fosse com eles, não significaria muito. Porém, para nós, que vimos de lonnnnnnngossssssssssss anos de desaires, falhanços, derrotas e tristezas, é um grande feito o que temos estado a conseguir, o que temos evidenciado, até onde já chegámos!
Dizem-nos que temos uma equipa jovem, inexperiente, que não passamos do Natal, que é fogo-de-vista fugaz. Dizem…
Por mim,  podem afirmar o que quiserem, o que me interessa é que estamos a conseguir dar a volta, a afirmarmo-nos, a afastarmo-nos daquele Sporting de um passado bem recente.
Independentemente do resultado de hoje – claro que torço por uma vitória e desejo ultrapassar os nossos adversários que nos olham pelo ombro - por tudo o que temos realizado e tendo em conta o patamar de onde partimos, somos já uns vencedores, mesmo que não vençamos (precavi-me, com os nós dos deditos na madeira, conforme costume popular, não vá o diabo tecê-las…!)
Aguardemos pela hora do jogo!

(Em tom de curiosidade: se empatarmos, os três da frente ( Sporting Clube de Portugal, Futebol Clube do Porto e Sport Lisboa e Benfica) não se podem rir uns dos outros.
Ora então, verifiquem lá... 




 


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Madiba

Foto de José Botelho Aguiar Câmara

 
"Não há paixão quando nos conformamos com uma vida que é menos do que aquilo de que somos capazes"
Nelson Mandela

 “e nos limitamos a acrescentar dias à nossa existência, sem outro objectivo que não mantermo-nos vivos por mais um dia."
 J.M B. Aguiar Câmara
 
 
 
 
 




 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Momentos


Desejava eu ter ficado no sossego aconchegante de casa, enroscada no sofá, a assistir à fúria da Natureza, à zanga entre o vento e a chuva!
Que discutissem entre si, que barafustassem e se desentendessem desde que não me incluíssem nas suas confusões. Eu queria, mas não passou de um mero desejo.
Logo de manhã, mal o sol acordou – tão envergonhado que nem se destapou, escondido debaixo do atapetado de nuvens que o cobriam –, a negritude do horizonte prometia um dilúvio que acabou por desabar, mesmo em cima de mim, já quase a chegar à estação.
Em situações destas, não há chapéus-de-chuva que impeçam quem quer que seja de se livrar de uma enorme molha, de uma fenomenal encharcadela, de ficar ensopado “até ao tutano”.
Já no comboio, a caminho da escola e torcendo para que o tempo se aguentasse até lá chegar, recordei uma outra ocasião em que a chuva, fustigada de vento e trovoada, era tão intensa, era tão indomável, era tão bravia, que me inundou por completo e fiquei a escorrer água por todos os lados, mais parecia a personificação das Cataratas do Niágara!
Entre o ontem e o hoje, momentos únicos!





 

 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Equinócio


O equinócio passou completamente despercebido, disfarçado de Verão.
A tradição, se se cumprisse, obrigava a que a mudança de estação fosse acompanhada de temporal, ventos fortes e uivantes, marés vivas e muita chuva. Mas não! Usando um cliché, a tradição já não é o que era!
A poluição, principal responsável pelo não cumprimento da tal tradição- meteorológica - alterou por completo o estado do tempo que seria habitual nesta altura.
Já Sophia de Mello Breyner e Andersen, no seu livro “A Menina do Mar”, retrata, em termos literários e melhor do que ninguém, as alterações que a entrada no Outono costumava provocar em termos meteorológicos.
Desde pequena que me lembro do meu pai, nas amenas conversas, características dos jantares em família, nos falar da tipicidade que a posição da Terra, em relação ao Sol, neste período do ano, trazia e as consequências que ela provocava em termos de estados de tempo.
Este ano, com um ligeiro atraso relativamente ao que é habitual, o mau tempo, prelúdio do Inverno que aguarda, vai-se fazer sentir, em cores graduées, algures entre os alertas  amarelo, laranja e vermelho.
O ideal seria poder ficar em casa, enroscada no sofá, a observar as gotículas de água escorrerem pelas vidraças das janelas, ignorar os lamentos do vento, não valorizar as lágrimas da chuva e permanecer num sossego aconchegante, esquecendo o mau humor do tempo.
Seria… Se não tivesse de ir trabalhar!




 

domingo, 22 de setembro de 2013

Enfoque


Lembro-me, há uns bons anos atrás, quando tinha cerca de doze anos, as entusiasmadas conversas que se estendiam pelos serões dentro, durante o tempo de férias, entre mim e os meus amigos, vizinhos da mesma idade, sobre um tema que nos prendia a atenção e seduzia: OVNIS.
Na altura, vivíamos perto de Sintra, numa zona de construção nova, repleta de vivendas, numa rua sem saída. Aquele foi o meu mundo durante muito tempo. Ali, construí amizades, cresci, aprendi e parti para a vida.
A planta da minha rua assemelhava-a a um pequeno lugarejo, onde todos se conheciam, se davam e entreajudavam. Solidariedade e controlo social, as duas faces da mesma realidade.
Principalmente, no Verão, depois de terminado o ano lectivo, os dias e as noites eram todos nossos: andar de bicicleta, ouvir música, jogar, conversar… As brincadeiras nunca se esgotavam e nós nunca nos cansávamos.
Entre o quintal e a rua – extensão natural do espaço exterior da casa de cada um – era um ir e vir constante que nos animava, divertia, ocupava e, frequentemente, exasperava as nossas mães.
Depois do jantar, enquanto os pais conviviam, em conversas de adultos que nada nos diziam, juntávamo-nos no nosso espaço, território comum a todos e conversávamos, influenciados pelos mistérios da noite, pelo silêncio da Natureza adormecida, pela beleza de um céu, ora escuro, incrustado de pontinhos cintilantes, parecendo pequenos diamantes reluzentes, ora iluminado por uma esplendorosa lua, cheia, magnífica e prateada que a todos inspirava.
Nesses momentos únicos, sob a negritude do céu, enquanto o olhar acompanhava as conversas, perscrutando o horizonte imenso e infinito, gastávamos as palavras, enredávamo-nos nas ideias, conspirávamos em sussurro e falávamos de OVNIS.
Cada um de nós acreditava na sua existência. Cada um de nós ansiava, numa íntima e secreta esperança, conseguir, um dia, vislumbrar um desses objectos e fazer parte do grupo de pessoas que afiançava tê-los avistado.
Nessas noites de convívio e depois, já a sós, recolhidos no quarto, debruçados na janela, enquanto o sono não vinha, entre pensamentos e sonhos de adolescentes, observávamos o firmamento, focávamos a atenção nas estrelas, nas constelações, perdíamo-nos na magnitude da criação que parecia mesmo conspirar contra nós, ao não partilhar o nosso entusiasmo.
Os anos passaram: crescemos, partimos, abraçámos a vida, seguimos rumos distintos e, naturalmente, os interesses mudaram. Os OVNIS tornaram-se parte de recordações de um tempo feliz, despreocupado e alegremente vivido.
Na madrugada de ontem, observando a plenitude de um céu em tons de escuro, enfeitado pelas luzes cintilantes das estrelas, vi, deslizando bem lá no alto, tão distantes como as estrelas imóveis, dois objectos de forma invulgar, quase despercebidos ao olhar, que se movimentavam, lado a lado, a uma velocidade que me pareceu enorme, dado o tempo que permaneceram no meu campo visual.
Fiquei ali, de olhar fixo no firmamento, acompanhando a direcção do movimento, surpreendida, extasiada, cheia de dúvidas, sem nenhuma certeza e avivando memórias daquele tempo passado.


sábado, 21 de setembro de 2013

Sapiência


José Sócrates, após cerca de dois anos de intensa e dedicada entrega ao estudo, na cidade luz, terminou a sua tese de mestrado subordinada ao tema “Tortura nos Países Democráticos”.
O assunto da sua dissertação não foi mal escolhido. Afinal não foi ela (a tortura) uma constante da sua governação? Quanta tortura psicológica não infligiu com algumas das suas decisões políticas, consubstanciadas em forma de lei, cujos efeitos ainda, hoje, se fazem sentir? 
Por tudo isto não duvido da qualidade do trabalho e sua defesa.
Mas como José Sócrates é uma pessoa ambiciosa, não me admira nada que, num futuro próximo, não invista no doutoramento. Nesse caso sugiro-lhe o seguinte tema: “Como falir um país em três actos: ascensão, manutenção e declínio de um político”.
Doutorar-se-á com louvor e distinção!






terça-feira, 27 de agosto de 2013

Agosto quente


De novo, o mês de Agosto foi marcado, infelizmente, pelo flagelo dos incêndios que, por insensatez de alguns, maldade de outros e fortes interesses económicos à mistura, abrasou, ainda mais, o intenso calor que se sentiu.
Incêndios que reduziram a cinzas hectares e hectares de floresta, onde o verde se pintou de escuro, onde a vida foi tragada pela destruição e pela morte, qual Inferno de Dante.
Todos os anos o cenário se repete. Todos os anos se ouve afirmar que é importante a prevenção com a limpeza das florestas, com a justiça a ter uma mão mais pesada para os incendiários, muitos deles meros fantoches manejados na sombra da sede do poder de quem nunca é apanhado. Todos os anos este cenário dantesco inunda os noticiários, dia após dia, até que as altas temperaturas baixem, o país regresse de férias, a polícia faça as primeiras detenções, os soldados da paz retornem ao descanso mais que merecido e a calmaria se instale, manhosa e vigilante, aguardando pela chegada de mais um Verão.
E as vidas humanas – autênticos actos de altruísmo e abnegação - que se perderam para que outros se salvassem? Essas merecerão uma homenagem em forma de lápide, serão lembradas com os próximos fogos, mas a dor imensa de quem os amava nunca se apagará, arderá eternamente no coração dos que ficaram.
Para eles e todos os que, ano após ano, estoicamente, se esquecem da própria vida em prol da dos outros, uma pequena homenagem em forma de texto.







terça-feira, 30 de julho de 2013

Manifesto


O desvario que tomou conta da classe política portuguesa, principalmente dos políticos que governam este país, é assustador. Medidas avulsas - golpes profundos em sectores fulcrais da sociedade que num futuro próximo trarão consequências catastróficas para o desenvolvimento do país - com o único objectivo de cortar nas despesas, numa razia completa ao bom senso e ponderação.
Falta de respeito pelo trabalho de quem corre o risco de ficar sem ele porque os senhores, no alto da sua cátedra, tudo podem e tudo determinam: mesmo as mais insanas directrizes, fora de horas, ou melhor em cima da hora, em tempo de férias, para confundir, baralhar e cumprir na íntegra.
Exigem-nos rigor, competência no exercício da profissão, mas eles escusam-se ao que impõem aos outros.
Depois das turmas feitas, quase no momento de serem afixadas, o processo é revertido através de um Despacho da DGESTE que chumba as propostas apresentadas e obriga a uma reformulação do que fora feito.
A informação que foi dada de manhã sobre a saída das turmas remetia-a para a tarde. De tarde, quando passei por lá, fiquei a saber que deixara de haver data provável, pois voltara tudo à estaca zero porque a Direcção recebera ordens, no sentido de reduzir o número de turmas, ou seja aumentar o número de alunos por turma para cortar no número de docentes por escolas.
Tudo feito em cima do joelho, de um dia para o outro, com um fim-de-semana pelo meio.
Estes senhores perderam a noção da correcção e jogam com a vida das pessoas como se fossem marionetes de um qualquer teatro de rua!
Para eles, em forma de resposta, palavras anteriormente escritas que gritam a revolta e a repulsa que as suas acções nos incutem: a parte final daquele que é o manifesto dos manifestos literários, escrito pelo grande Almada Negreiros.

“Morra o Dantas, morra! PIM!
Portugal, que com todos estes senhores, conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degradados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável -  e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra o Dantas, morra! PIM!"

 Adenda: Dantas, neste contexto, simboliza toda a classe política que nos tem governado nos últimos anos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O ontem e o hoje


Ainda, no último texto, escrevi, aqui, sobre a zona em que resido: erigida no espaço de uma enorme quinta, situada na zona de campo que confinava com a cidade.
Alguns desses vestígios ainda se mantêm e podem-se encontrar apesar da urbanidade se ter estendido e dominado quase toda a área envolvente.
O casario antigo, quase despercebido por entre as construções que o circundam, testemunha a simplicidade da ancestralidade das suas raízes.
Aqui e ali, pequenas raridades, que perduraram no tempo e reagiram ao avanço do progresso, continuam a sobreviver na cidade grande: a mercearia, uma resistente ao poder das grandes superfícies comerciais que a rodeiam e que, com a crise que se instalou, tem vindo a ganhar cada vez mais clientela pelas facilidades de pagamento que possibilita – o caderno, onde se apontam as despesas que serão pagas no final do mês, voltou a ter significado; a tabacaria – papelaria onde se pode ir a pé, evitando as filas intermináveis e a dificuldade de estacionamento; as três associações recreativas e culturais (Areeiro, Casa Branca e Calhabé) – mais recreativas que culturais - pontos de encontro das gerações mais velhas, nos finais de tarde, à volta de um copo de tinto e de um baralho de cartas.
Outro dia, quando decidi recuperar uma bicicleta que se enchia de pó e teias de aranha num canto da garagem, encontrei, escondida num beco, passatempo do dono de uma daquelas quase tabernas com traços de cafés, uma oficina artesanal, especializada nestes veículos de duas rodas.
Aí, descobri algumas curiosidades sobre "pedaleiras" – fiquei a saber que a minha primeira bicicleta fora uma pasteleira – numa amena conversa de quem se especializou nesta área levado pela curiosidade, pelo gosto e pela paciência.
O procedimento foi simples. A confiança na palavra bastou – vestígios de um tempo passado em que a honra da palavra era prova mais que suficiente.
Passados dois dias, a minha bicicleta estava como nova e ainda recebi, gratuitamente, umas liçõezinhas sobre a nobre arte de pedalar em todo o selim.
Estreei-a ontem, nas minhas primeiras pedaladas deste Verão: voa como um alazão, num movimento suave, levando-me à plenitude da liberdade.

 

 

terça-feira, 23 de julho de 2013

O novo inquilino


O local onde se construiu a urbanização em que resido fora, outrora, uma enorme quinta nos arrabaldes da cidade.
Pertença de uma abastada e influente família da região sofreu, com o passar das gerações, uma desagregação do seu território.
Da quinta inicial sobrou, lá no topo, o solar antigo, hoje, habitado por um dos inúmeros descendentes que se enraizou.
Aos poucos, a quinta foi sendo vendida para construção. Entre vivendas amplas e arejadas, sobranceira ao núcleo que a viu nascer, surgiu a primeira urbanização, num espaço rodeado de uma frondosa vegetação e muita água que brotava das inúmeras fontes incrustadas no terreno.
A tocar a urbanidade, manteve a sua origem rural que se desvenda na simplicidade das relações que se estabelecem entre os residentes deste espaço. Como se a cidade acolhesse nos seus limites este último reduto de traça campesina.
Quando o silêncio impera e a noite se alteia, a vida, abrigada dos olhares rotineiros, sai do seu esconderijo, desventra-se da terra e apodera-se do seu domínio: coelhos e lebres, salteiam aqui e ali de orelhas em escuta ao mínimo ruído.
Há pouco vim lá de baixo. A noite erguia-se serena e pacata, iluminada por um luar prateado de Agosto temporão. O barulho ritmado da água da fonte que caía imperava no silêncio e fez-me recordar outra fonte, outro lugar, outro tempo.
Com a chegada do Verão, a urbanização acolheu um novo hóspede que se passou a fazer ouvir, marcando a sua presença.
Não sei determinar com rigor a altura precisa em que me apercebi da sua existência. Foi como se tivesse surgido do nada. De um momento para o outro, na sucessão das noites, aquele som impôs-se: croac, croac, croac, numa onomatopeia perfeita.
A rã-sapo - não sei distinguir – atraída pela frescura da água da piscina de uma das vivendas próximas, apropriou-se daquele jardim e, agora, todas as noites, enamora a madrugada, encantando-a com o seu cântico ritualizado e ancestral.

 

 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

E os alunos?


Reagindo aos resultados alcançados pelos alunos nos exames dos 6º e 9º anos, Nuno Crato afirmou que os mesmos indiciam dificuldades permanentes a Português e Matemática – uma realidade que há muito é sentida por quem está no terreno.
Face aos maus resultados, o Ministro da Educação declarou “obviamente que não estamos contentes com isso. Temos de fazer, todos, um esforço para melhorar. É um esforço que não é só nosso, é um esforço que é dos pais, dos professores, das escolas, estamos todos a trabalhar para que estes resultados melhorem”.
Tal como diz o senhor ministro, também eu concordo que é urgente e necessário um esforço conjunto para reverter a situação. (O que seria de esperar com tantos anos a insistir no eduquês? Só não via quem não queria!)
Na sua declaração à comunicação social, Nuno Crato nomeou de quem esperava esse esforço: ministério, pais, professores, escolas, todos, segundo afirma. Parece-me que o Senhor Ministro se esqueceu de nomear um dos elemento, talvez o mais importante neste processo de esforço e mudança: os alunos, como é óbvio!
De que vale o esforço dos pais, das escolas, dos professores, do próprio ministério, se os alunos não intervierem no processo e não realizarem, também eles, um esforço que passará, sem dúvida, por uma alteração de comportamento na sala de aula, um estudo regular, uma valorização social da escola e do estudo? De nada, afianço-vos!
A minha admiração maior não reside nos resultados, como já deu para entender, mas antes no esquecimento dos alunos no discurso do ministro!
É que fazer omeletes sem ovos, é impraticável, impensável e, sobretudo, impossível!

 

 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Lembranças


O calor abafado e quase irrespirável destes últimos dias transportou-me para um tempo, bem lá atrás, já tornado acervo das minhas memórias, que me fez relembrar Formilo. Sempre Formilo recordado com carinho e muita ternura e muita saudade.
A canícula abrasadora que preguiça a vontade, outrora e agora, faz apetecer o nada fazer, na procura de um abrigo fresco e revigorante que amenize a soalheira dos dias.
Nesse tempo, em que as férias eram passadas na pacatez aldeã, as tardes de Agosto, quando o calor apertava e a moleza despertava, eram passadas na penumbra fresca e saborosa do casarão beirão erguido num granítico baluarte.
Lá fora, apenas o cri cri das cigarras cortava o silêncio da vida que parecia suspensa, quase adormecida nas tardes preguiçosas e tranquilas que se estendiam sem tempo, sem pressa.
O casarão permanece lá, implantado no coração da aldeia, não esquecido, mas distante, perdido na beleza da paisagem serrania que embala os meus sonhos acordados.
Sempre Formilo: intocável, firme e altivo, guardião de inúmeras histórias de vida que se sucedem através de gerações.



segunda-feira, 10 de junho de 2013

Personificação



Não foram os discursos institucionais e esquecia-me, por completo, que o descanso de hoje não se deveu a ser um domingo, igual a tantos outros, mas antes uma segunda-feira de feriado.
Um feriado borralhento prestes a lacrimejar, deslembrado do Verão ou então baralhado com a confusão em que o país mergulhou.
Em dias assim, em que o lá fora é apenas vislumbrado através da vidraça do escritório onde me encafuo, não me importo que o dia se entristeça de cinzento e ameace chorar.
Deixá-lo calado e amuado, de costas voltadas ao Verão. De novo há-de sorrir, irradiar felicidade, perder-se por entre as traquinices da infantilidade da idade e desafiar-me a sonhar com as férias e o descanso.
Por ora, volto-lhe as costas e finjo não o ouvir rezingar.
 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Pro bono


Enquanto vou ouvindo a entrevista, as ideias atropelam-se e conduzem o meu pensamento para campos que parecem nada ter a ver com o que passa na RTP 1.
Do nada, avivo o conceito de “área vocabular” ou “campo lexical”, conteúdo que é trabalhado em Português, e, de repente, vejo-me a construir uma área vocabular em redor do que ouço e vejo: raposa; artimanha, falácia; esperteza; estratégia, falsidade; incongruência; incredulidade, embuste…
Estes dois anos não alteraram em nada a personalidade de José Sócrates: mantém-se igual a si próprio.
Por que será que não consigo acreditar na magnificência de carácter que pretende transmitir?




Regresso


Ei-lo que volta, não por entre a sombra de um dia de nevoeiro, mas antes esgueirando-se por entre os pingos de chuva (e pelas críticas), imune à controversa que o seu regresso gerou.
Quando há dois anos se afastou do governo, do partido, do país e rumou até Paris, mantendo-se num mutismo absoluto, afirmei que se tratava de uma retirada estratégica e que, mais cedo ou mais tarde, voltaria. Não me enganei!
Na altura, Sócrates percebeu que perdera uma batalha, mas não a guerra. Fez do silêncio o seu maior aliado, e deixou que a conjuntura económica mundial, associada às directrizes de uma Europa a duas velocidades, se encarregasse de piorar a situação económica, política e social que deixara quando se afastou de Portugal.
Não teve pressa, soube esperar o momento oportuno para reaparecer. Foram dois anos minuciosamente pensados, ponderadamente planeados, detalhadamente arquitectados na não desistência do poder.
Hoje, é o grande dia. A campanha política para o futuro cargo, que nega pretender, inicia-se com esta entrevista.
Estou curiosa em ver como é que se vai esgrimir das perguntas incómodas que lhe irão colocar. Uma certeza, eu tenho: ir-se-á escusar da melhor maneira, pois “lábia” foi arte que nunca lhe faltou!
Oiçamo-lo, então!



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Coisas do tempo


A seguir a uma tempestade revolta, inundada e ventosa, surge sempre a bonança em forma de quietude e calma.
Depois de um período bem alagado, com estragos pelo meio, eis que o tempo meteorológico parece querer dar tréguas e despir as vestes das últimas semanas.
Ainda bem, pois a continuar assim, o verdete invadia-nos até a alma!
Hoje, lá no alto, cintilante e escuro, uma lua prateada e bem redonda parecia querer proclamar o fim da tristeza do tempo.
Algures, aqui em baixo, olhei para o céu, cravejado de minúsculos pontos luzentes, prateados, iluminados pelo brilho intenso de uma lua avantajada e saboreei a serenidade da noite que se abria, por fim, numa alegoria de saudade, há muito desejada.




quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os desígnios de um país




Parece-me que, nos últimos tempos, andamos todos um pouco baralhados, confusos, descrentes: com os nossos políticos; com os especialistas e as suas avalizadas opiniões; com os resultados dos estudos técnicos encomendados; com as medidas neles apontadas, mas disfarçadas de sugestões; com a variedade de opiniões que se cruzam e se gladiam em fervorosas discussões; com a informação veiculada pelos órgãos de comunicação social; com a constatação de que a realidade, independentemente, da cor partidária, do génio discursivo ou da eloquência do orador, é difícil, é dura, é a nossa.
Os tempos são incertos, imprevisíveis, inconstantes: deita-se adormecido num contexto económico, político e social com determinados contornos e, em escassas horas de sono, tudo se pode alterar, numa reviravolta, qual passe de mágico que azurzia qualquer um.
Como planear o que quer que seja? Como pensar em soluções? Como encontrar estratégias? Como gerir uma casa? Como administrar um pecúlio se os pressupostos se alteram em fracções de tempo? Que angústia, quase impotência!
Este velho e venerável continente foi, no passado, o centro estratégico de decisões que influenciaram o mundo, que escreveram a História.
Europa, outrora estratega arguta e resoluta, adormeceu no reflexo narcisista de si. Sonhou por demasiado tempo. Quando acordou, apercebeu-se de quão ilusório fora o seu longo sono. A vida passara-lhe ao lado: disfarçada, silenciosa, matreira, arquitectando novos donos e senhores com a sua própria complacência e anuência.
Agora, corre e, com ela, todos nós, numa corrida desenfreada, quase perdendo o fôlego, com o esforço da passada, ora meios perdidos ora meios encontrados, com muitas dúvidas e um senão: deixarmo-nos vencer pelo cansaço, mas, acima de tudo, a certeza de que é proibido desistir.